21 de fevereiro de 2010

Madame Sartre - Ato 3



Não fiz questão de detalhar sua vida na prisão. Ela só não tinha a mesma liberdade, mas vivia como sempre. Do mesmo modo que sua consciência achava fundamental para viver.


Após 20 anos vivendo sem lutar por nenhum ideal. Hoje é seu ultimo dia como uma presidiária. Sartre sempre foi de poucas amizades. Sempre prolixa, apenas falava com si mesma, assim ninguém a escutava, não por não fazer questão que ninguém saiba, mas sim por saber que ninguém a compreenderia. A mesma manteve uma relação com a companheira de quarto. Dolores. Dolores tinha a aparência jovial cuspida e seca que atraia Sartre. Tinha os cabelos curto mal cortado e negro, olhos claros. Pele mal tradada, mãos um pouco calejada, com unhas ruídas e um pouco sujas. Tinha um sinal bem pequeno no canto da boca. Era alta, magra, e bem branca com algumas tatuagens pelo corpo. 


A relação de ambas foi intensa e verdadeira, veja bem. Não foi apenas sexo. Repartiram sentimentos, diálogos, histórias, cutículas e mestruação. Ao longo de anos, Dolores foi uma das únicas relações que Sartre levou realmente a serio. No modo que havia reciprocidade de sentimentos. Eu falo de confiança e de alargamento de alma.

Na ultima noite. Elas não dormiram. Passaram a noite e vararam a madrugada escandalizando o primitivo, não houve toque, nem orgasmos. Até gozaram, mas não pela vagina. No piso gelado da cadeia, elas encostavam os pés no chão. E conversara por horas. Não há necessidade de jogar um assunto no ar, bastava uma palavra mal dita, uma frase mal interpretada para iniciar um assunto. Elas conseguiam se sentir sem se tocar, e o movimento dos olhos direcionava o sentido da conversa.

(Alguma cena ao lado, fez com que Sartre repugnasse tal comportamento.)

Sartre – Acho um tanto quanto ridículo as pessoas não se enfrentarem, e procurarem o meio mais prático, o meio mais fácil de fugir do seu próprio destino. Eu sou um destino. Eu falo, eu como, me toco e respiro. O meu destino é viver apesar de. Me deixa angustiada ver as pessoas não sabendo cuidar do seu corpo. Quando falo cuidar, falo no sentido de tornar o corpo em corpo de verdade. Embora ache que o corpo seja um instrumento, material do nosso cotidiano. Meu conceito é de que ele seja um meio de transporte como outro qualquer.

Outra coisa que eu gosto bastante é de observar os outros e ver o fanatismo, de quem crer no que não existe. Comparo os adultos que tem fé, com as crianças que acreditam em fadas e duendes. Sabe essas coisas que nos confortam sabe? Fé é invenção que os fracos dizem que tem pra não saber enfrentar os seus próprios mistérios, não saber lhe dar com o mais interno de seus segredos.

As horas passam, e logo irá bater o sinal. Como todos os dias o sirene tocará, todas irão despertar e seguirão para o banho. Mas dessa vez uma deixará de ir. E foi Sartre. Antes de tudo, houve um ultimo toque, um abraço. Uma vida que ficará pra fora da vida dela. Mas emoções e lembranças restarão em cada pedaço de que chamamos de memória. Sei que o que direi será uma quase contradição. Mas elas se tocaram sim, pela manha e não pela madrugada. Antes do Banho. Nas horas que antecediam a saída total do sol, elas se olharam por alguns minutos, e houve o que chamamos de comunhão perfeita.


Às 10 da manhã, os guardas seguiram com ela pelos corredores da cadeira, levando em direção ao alivio imediato que só a liberdade é capaz de trazer á uma pessoa. Passa-se 20 minutos e chega um juiz pra decretá-la livre. Então ele diz com um modo técnico e declara a liberdade à mesma. Ela sorrir. Com um cinismo estampado na cara, com um tom debochado demais. E ele diz a ela. Cuidado Madame Sartre Polascheak Connor. Há homens lá fora, homens no qual você pode transar matar e nem ninguém saber. Porém tome bastante cuidado. Existe um homem seu provavelmente jogado na sarjeta também. Ela não entendeu. Mesmo assim avançou um passo e deixou pra trás 20 anos. Olhou pra trás e suspirou. Disse a si mesma, a grandeza do mundo me espera, Então eu correr, pois eu torturando-me, me faço. Faço-me até virar poeira exalando no ar.


Um comentário:

  1. Teu jeito de escrever é alucinante, extremamente foda! :)
    gostei muito do que li, e ainda dei uma passada pelas postagens antigas... Ótimos posts e ótimas fotografias.
    E ainda gosta de Clarice Lispector... :)
    Enfim, o que eu queria dizer é que eu gostei do blog.

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