26 de outubro de 2009

Changements:

"Quero possuir os átomos do tempo."



Mudança:
Sente-se em outra cadeira, no outro lado da mesa. Mais tarde, mude de mesa. Quando sair, procure andar pelo outro lado da rua. Depois, mude de caminho, ande por outras ruas, calmamente, observando com atenção os lugares por onde você passa. Tome outros ônibus. Mude por uns tempos o estilo das roupas. Dê os seus sapatos velhos. Procure andar descalço alguns dias. Tire uma tarde inteira para passear livremente na praia, ou no parque, e ouvir o canto dos passarinhos. Veja o mundo de outras perspectivas. Abra e feche as gavetas e portas com a mão esquerda. Durma no outro lado da cama... Depois, procure dormir em outras camas. Assista a outros programas de tv, compre outros jornais... leia outros livros. Viva outros romances. Não faça do hábito um estilo de vida. Ame a novidade. Durma mais tarde. Durma mais cedo. Aprenda uma palavra nova por dia numa outra língua. Corrija a postura. Coma um pouco menos, escolha comidas diferentes, novos temperos, novas cores, novas delícias. Tente o novo todo dia. O novo lado, o novo método, o novo sabor, o novo jeito, o novo prazer, o novo amor. A nova vida. Tente. Busque novos amigos. Tente novos amores. Faça novas relações. Almoce em outros locais, vá a outros restaurantes, tome outro tipo de bebida, compre pão em outra padaria. Almoce mais cedo, jante mais tarde ou vice-versa. Escolha outro mercado... outra marca de sabonete, outro creme dental... Tome banho em novos horários. Use canetas de outras cores. Vá passear em outros lugares. Ame muito, cada vez mais, de modos diferentes. Troque de bolsa, de carteira, de malas, troque de carro, compre novos óculos, escreva outras poesias. Jogue os velhos relógios, quebre delicadamente esses horrorosos despertadores. Abra conta em outro banco. Vá a outros cinemas, outros cabeleireiros, outros teatros, visite novos museus. Mude. Lembre-se de que a Vida é uma só. E pense seriamente em arrumar um outro emprego, uma nova ocupação, um trabalho mais light, mais prazeroso, mais digno, mais humano. Se você não encontrar razões para ser livre, invente-as. Seja criativo. E aproveite para fazer uma viagem despretensiosa, longa, se possível sem destino. Experimente coisas novas. Troque novamente. Mude, de novo. Experimente outra vez. Você certamente conhecerá coisas melhores e coisas piores do que as já conhecidas, mas não é isso o que importa. O mais importante é a mudança, o movimento, o dinamismo, a energia. Só o que está morto não muda! Repito por pura alegria de viver: a salvação é pelo risco, sem o qual a vida não vale a pena!


Clarice Lispector

23 de outubro de 2009

only a few.

"Amor será dar de presente um ao outro a própria solidão?
 Pois é a coisa mais última que se pode dar de si."



- Nesse momento caí uma forte chuva.
Hoje é um típico dia em que sinto saudade. Mas nada posso fazer. Não sei exatamente o que dizer, já não tenho forças pra certas coisas. Perdi a vontade de tudo, já nem me sinto atraída por nada nem por ninguém. Ando amarga, afiada e mecânica. Resultado de.


“... Um futuro que a gente merecia
e o que eu tinha sonhado pra nós,
de quando olhávamos juntas na mesma direção.”


Rifa-se. Clarice Lispector.
Rifa-se um coração quase novo. Um coração idealista. Um coração como poucos. Um coração à moda antiga. Um coração moleque que insiste em pregar peças no seu usuário. Rifa-se um coração que na realidade está um pouco usado, meio calejado, muito machucado e que teima em alimentar sonhos, e cultivar ilusões. Um pouco inconseqüente que nunca desiste de acreditar nas pessoas. Um leviano e precipitado, coração que acha que Tim Maia estava certo quando escreveu... "não quero dinheiro, eu quero amor sincero, é isso que eu espero...". Um idealista... m verdadeiro sonhador... Rifa-se um coração que nunca aprende. Que não endurece,  e mantém sempre viva a esperança de ser feliz, sendo simples e natural. Um coração insensato que comanda o racional sendo louco o suficiente para se apaixonar. Um furioso suicida que vive procurando relações emoções verdadeiras. Rifa-se um coração que insiste em cometer sempre os mesmos erros. Esse coração que erra, briga, se expõe. Perde o juízo por completo em nome de causas e paixões. Sai do sério e, às vezes revê suas posições arrependido de palavras e gestos. Este coração tantas vezes incompreendido. Tantas vezes provocado. Tantas vezes impulsivo. Rifa-se este desequilibrado emocional que, abre sorrisos tão largos que quase dá pra engolir as orelhas, mas que também arranca lágrimas e faz murchar o rosto. Um coração para ser alugado, ou mesmo utilizado por quem gosta de emoções fortes. Um órgão abestado indicado apenas para quem quer viver intensamente e, contra indicado para os que apenas pretendem passar pela vida matando o tempo, defendendo-se das emoções. Rifa-se um coração tão inocente que se mostra sem armaduras e deixa louco o seu usuário. Um coração que quando parar de bater ouvirá o seu usuário dizer para São Pedro na hora da prestação de contas: " O Senhor poder conferir", eu fiz tudo certo, só errei quando coloquei sentimento. Só fiz bobagens e me dei mal quando ouvi este louco coração de criança que insiste em não endurecer e, se recusa a envelhecer". Rifa-se um coração, ou mesmo troca-se por outro que tenha um pouco mais de juízo. Um órgão mais fiel ao seu usuário. Um amigo do peito que não maltrate tanto o ser que o abriga. Um coração que não seja tão inconseqüente. Rifa-se um coração cego, surdo e mudo, mas que incomoda um bocado. Um verdadeiro caçador de aventuras que, ainda não foi adotado, provavelmente, por se recusar a cultivar ares selvagens ou racionais, por não querer perder o estilo. Oferece-se um coração vadio, sem raça, sem pedigree. Um simples coração humano. Um impulsivo membro de comportamento até meio ultrapassado. Um modelo cheio de defeitos que, mesmo estando fora do mercado, faz questão de não se modernizar, mas vez por outra, constrange o corpo que o domina. Um velho coração que convence seu usuário a publicar seus segredos e, a ter a petulância de se aventurar como poeta.


Assim me despeço por hoje. Com amor.


6 de outubro de 2009

Miss Algrave.

"Já que sou o jeito é ser. Já que perde-se também é um fato." CL



Passei a amar o feio de igual para igual, e percebo que o conjunto de certas frases me libertara outra vez, de outra parte de mim, e assim será adiante. Fiquei imunda e seca. Escreverei em plena desordem e rapidamente, mamãe está deita no quarto ao lado por isso preciso se breve.

Trepei com meu médico. Juro, ele nem esperava por isso. Vou falar de modo vulgar, agora quem fala é uma puta, a puta que fala por mim. Eu havia planejado tudo, minhas amigas sabiam deste plano, e me perguntaram por qual motivo iria fazer isto. Eu disse, pela arte. Mal sabia que estava enganada. Descubro agora no meio de um gole e outro de café que fiz por amar a literatura. (Bom é ter onde se prender e não encarar a realidade, como os que amam igreja e afins, e se prende... por medo.)
 
Tinha como intuito escrever detalhe por detalhe o que se passou dentro da sala, mas acho que não convém, mas acho interessante dizer que fui vestida de eu mesma, roupa básica, roupa de sempre. Não queria está bonita pra quem eu iria comer, pra quem machucaria minha vagina. Sou feia, me acho gorda, e sou do tipo de mulher que os homens não teriam pena de bater e descabelar, sou assim, rasgada.

Meu corpo tem desejo. Fui apenas o objeto. Odiei o pau dele. Não era artístico, não era digno para minha boca, mas mergulhei. Ele quis comer meu cu. Mas não seria excitante evacuar ali, não havia planejado, mas agora não escondo isso, que é mais uma dessas minhas vontades. Por fim ele gozou. Com o ar totalmente superficial, examinou-me e nos despedimos com um beijo escroto. Digno dele. Digno de homem.

Sair mais mulher e com o dinheiro da consulta. O pobre tão bestificado ficou que se esqueceu de juntar o útil do agradável. Enfim. Vou voltar no consultório. Agora me dei licença, preciso me limpar, e necessito de um banho que limpe sutilmente minha alma, agora vou voltar a ser mulher apenas de Saturno. Boa noite. Agora, retire-se por favor.